Dino de Alcântara
Era para ser um daqueles passeios com requintes de prazer, em que se guarda na memória, mas, ao se arrumar, o Lulu (como era conhecido o Luís Torres na cidade de São Luís) ouviu a esposa, dona Odete, que não era nenhuma ninfa dos poemas de Gonçalves Dias, gritar da sala que também queria ir à Rua Grande.
Morador do Largo do Desterro, num sobrado bem cuidado e arejado, o marido tinha as suas saidinhas toda sexta de tarde, em que passava a gerência do comércio na Rua da Estrela ao seu fiel empregado, o Fabrício.
Havia mandado um bilhete por um moleque naquela manhã de sexta de 1925 à sua amante, que morava numa porta-e-janela na Rua do Norte. Agora esse impasse. Vai ou não vai.
Acabou indo.
Pegaram – o marido e a mulher – um carro e mandaram o cocheiro os deixar no Largo do Carmo. O marido, com a cara inchada, por ter perdido o desfrute daquela semana. Agora, oh cacete! Só na outra semana, se der!
Ao descerem do carro, o Lulu e dona Odete caminham em direção à Rua Grande. Ao passar em frente ao Armarinho do Gondinho, um cego, sentado num mocho na calçada, os aborda, estendendo uma cuia, com algumas poucas moedas dentro.
— Oh, minha linda senhora, dê uma esmolinha para um cego! Deus há de lhe pagar em dobro!
Dona Odete estanca o passo, olha para o cego, depois para o marido e lhe diz:
— Lulu, se soubesse que esse cego era cego mesmo, eu daria uma boa esmola para ele. Mas, nesta terra, nunca se sabe quem está mentindo...
Lulu, com um risinho sarcástico no canto da boca:
— Pequena, se é isso que tu quer saber, pode dar a esmola, que ele é cego mesmo!
— E como tu tem tanta certeza disso?
— Ora, pois ele não te chamou de uma linda mulher!
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