DINO DE ALCÂNTARA
ESBOÇO DE CONTO
Seu Egídio, morador de uma porta e janela da Rua das Afogados, tinha uma particularidade ou patologia – para ser mais sincero na qualificação – que a todos os que o viam assustava: era o nariz. Mas não era um nariz qualquer. Era um senhor nariz, daqueles em que nenhum caricaturista conseguiu desenhar, nem mesmos aqueles que ampliavam consideravelmente os órgãos do corpo humano.
Em São Luís dos anos 50 e 60, seu Egídio era um farejador de comida boa nas casas a cujos donos era familiar. Diziam sempre, que à hora do almoço, se ele batesse em alguma casa, era com certeza para se deliciar com alguma iguaria. E os frutos do mar eram o seu ponto fraco. E o dono ou a dona da casa não conseguia se livrar, porque se abrissem a porta, já o nariz do glutão estava dentro da cozinha, sentindo o cheirinho do arroz de cuxá, da torta de caranguejo, do camarão frito no azeite de coco, do peixe frito, do siri, do sururu ao leite de coco, etc.
Certa feita, em casa de Gregório Maracajá, na Fonte das Pedras, na celebração do aniversário de 7 anos de Mariquinhas, foi só abrirem a porta, que logo soube que haveria um banquete, com uma camaroada ao leite de coco como prato principal. Sentou-se à mesa antes dos donos. Já com uma colher na mão. E, quando a cozinheira, dona Santoca, pôs o caldo no prato para fazer o pirão (que ele adorava), não teve cerimônia com a farinha d’água. Botou até o pirão ficar seco. Dona Santoca, vendo a farinha dominar a cena, pôs mais caldo, e ele mais farinha; ela mais caldo, ele mais farinha. Nisso, o pirão foi aumentando. Dizia ele que um pirão não podia ser nem seco nem muito molhado. Assim, nessa tentativa de encontrar o ponto certo, o caboco (por sinal, o diabo era de Alcântara) meteu um pirão tão grande na pança com uma pratada de camarão branco, mais ainda uma boa posta de curijuba pescado no Espinhel de Zé Mole, mais ainda um bom pedaço de torta de caranguejo e muito mais.
Quando chegou a sobremesa, já o nosso Egídio não conseguia por nem mais o suco de cajazinho na boca. A comida parecia estar na garganta, porque não havia mais espaço no estômago.
Foi preciso o dono da casa, Gregório Maracajá e dona Santoca levantarem o homem, que começou a passar mal. Os pulmões foram comprimidos pelo estômago.
Correram atrás de Mundoca Fala Fraco, ali na Farmácia do Povo, para ver se o homem acudia.
O farmacêutico chegou esbaforido. Examinou a cena e, descobrindo que havia uma quantidade enorme de farinha no ventre do glutão, teve uma ideia rápida: meteram o esgulepe dentro do tanque de água para que a farinha se acomodasse e não inchasse tanto no estômago, tomando o espaço dos outros órgãos, levando-o ao cajueirinho (leia-se cemitério).
Foi tiro e queda. Duas horas depois, saía de dentro do tanque, escritinho um pinto molhado, com os beiços até roxos, seu Egídio. Dizem as más línguas que estava com a cara arrastando no chão.
Pediu desculpas aos donos da casa e fez um pedido: que aquilo ficasse em segredo, que não fosse motivo de conversa na praça.
Até hoje, ninguém sabe quem foi o linguarudo que saiu espalhando a notícia na cidade. Na Garapeira de Guará, era o que se falava naqueles dias que se seguiram.
Quando seu Egídio ia ao Mercado Central ou à casa de Gregório Maracajá, não passava na Praça João Lisboa, que não queria atirar pedra em quem gritasse:
– Lá vai o Esgulepe!