segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

O ESGULEPE DA ILHA

 DINO DE ALCÂNTARA

 ESBOÇO DE CONTO

 

 

Seu Egídio, morador de uma porta e janela da Rua das Afogados, tinha uma particularidade ou patologia – para ser mais sincero na qualificação – que a todos os que o viam assustava: era o nariz. Mas não era um nariz qualquer. Era um senhor nariz, daqueles em que nenhum caricaturista conseguiu desenhar, nem mesmos aqueles que ampliavam consideravelmente os órgãos do corpo humano.

Em São Luís dos anos 50 e 60, seu Egídio era um farejador de comida boa nas casas a cujos donos era familiar. Diziam sempre, que à hora do almoço, se ele batesse em alguma casa, era com certeza para se deliciar com alguma iguaria.  E os frutos do mar eram o seu ponto fraco. E o dono ou a dona da casa não conseguia se livrar, porque se abrissem a porta, já o nariz do glutão estava dentro da cozinha, sentindo o cheirinho do arroz de cuxá, da torta de caranguejo, do camarão frito no azeite de coco, do peixe frito, do siri, do sururu ao leite de coco, etc.

Certa feita, em casa de Gregório Maracajá, na Fonte das Pedras, na celebração do aniversário de 7 anos de Mariquinhas, foi só abrirem a porta, que logo soube que haveria um banquete, com uma camaroada ao leite de coco como prato principal. Sentou-se à mesa antes dos donos. Já com uma colher na mão. E, quando a cozinheira, dona Santoca, pôs o caldo no prato para fazer o pirão (que ele adorava), não teve cerimônia com a farinha d’água. Botou até o pirão ficar seco. Dona Santoca, vendo a farinha dominar a cena, pôs mais caldo, e ele mais farinha; ela mais caldo, ele mais farinha. Nisso, o pirão foi aumentando. Dizia ele que um pirão não podia ser nem seco nem muito molhado. Assim, nessa tentativa de encontrar o ponto certo, o caboco (por sinal, o diabo era de Alcântara) meteu um pirão tão grande na pança com uma pratada de camarão branco, mais ainda uma boa posta de curijuba pescado no Espinhel de Zé Mole, mais ainda um bom pedaço de torta de caranguejo e muito mais.

Quando chegou a sobremesa, já o nosso Egídio não conseguia por nem mais o suco de cajazinho na boca. A comida parecia estar na garganta, porque não havia mais espaço no estômago.

Foi preciso o dono da casa, Gregório Maracajá e dona Santoca levantarem o homem, que começou a passar mal. Os pulmões foram comprimidos pelo estômago.

Correram atrás de Mundoca Fala Fraco, ali na Farmácia do Povo, para ver se o homem acudia.

O farmacêutico chegou esbaforido. Examinou a cena e, descobrindo que havia uma quantidade enorme de farinha no ventre do glutão, teve uma ideia rápida:  meteram o esgulepe dentro do tanque de água para que a farinha se acomodasse e não inchasse tanto no estômago, tomando o espaço dos outros órgãos, levando-o ao cajueirinho (leia-se cemitério).

Foi tiro e queda. Duas horas depois, saía de dentro do tanque, escritinho um pinto molhado, com os beiços até roxos, seu Egídio. Dizem as más línguas que estava com a cara arrastando no chão.

Pediu desculpas aos donos da casa e fez um pedido: que aquilo ficasse em segredo, que não fosse motivo de conversa na praça.

Até hoje, ninguém sabe quem foi o linguarudo que saiu espalhando a notícia na cidade. Na Garapeira de Guará, era o que se falava naqueles dias que se seguiram.

Quando seu Egídio ia ao Mercado Central ou à casa de Gregório Maracajá, não passava na Praça João Lisboa, que não queria atirar pedra em quem gritasse:

– Lá vai o Esgulepe!   

   

 

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

LILOCA OU UMA MENTIRA SÓ NÃO FAZ MAL

 Dino de Alcântara

Teatrinho a Vapor

 

ZÉ PEDRO – Professor de Literatura da Rede Pública de Ensino do Maranhão. Era casado com Liloca, mas acabou de se divorciar, deixando para a ex-esposa um naco do seu parco salário como docente do Colégio Gonçalves Dias.

LILOCA – Ex-esposa de Zé Pedro. É bem mais nova que o docente secundarista, quase vinte anos de diferença.

 

Cenário: Escadarias do Fórum que leva o nome do pai de Zé Sarney.

A cena passa-se em 2014.

 

Prólogo: Os dois haviam se casado no mesmo Fórum em 2010 e na Igreja da Cohab, onde o professor morava. Ela, na hora em que o vigário perguntou se aceitava, ela disse um sim muito baixo... Mas... tudo bem. O padre, ao final, disse: “O que Deus uniu, o homem não separa!” Mas um caboco do Anjo da Guarda desafiou as palavras do Vigário e separou o que Deus havia unido. Agora os dois estão descendo as escadarias; ele com cara inchada porque vai pagar uma pequena pensão para ela morar com o dito caboco. Ela sorridente.

 

ZÉ PEDRO (Segurando o braço dela, para que o olhasse nos olhos.) – Só me diz uma coisa...

LILOCAO quê?

ZÉ PEDRONa igreja, tu não disseste que me amavas e era para sempre o nosso casamento?

LILOCA (Com a cara mais cínica do mundo, ao mesmo tempo em que dá um risinho malicioso.) – Eu menti!

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

O GIGOLÔ DE ALCÂNTARA

 Dino de Alcântara

Casado há dois anos com Ludmila, Cassinho não vivia o casamento dos sonhos. Tinha grande respeito pela esposa, sim, mas não a amava. E ela tinha certeza de que ele se casara por interesse. E fazia questão de tocar sempre nesse assunto.

Professora concursada, com duas matrículas – uma no Estado e outra no município de Alcântara – viviam, por assim dizer, sem apuros financeiros. Os salários dela eram sempre suficientes para os dois.

Ele, professor de um reforço escolar para as bandas do Mirititiua, conseguia, quando muito, receber ao final do mês uns 600 ou 700 reais. Não eram suficientes nem para ele, que dirá para os dois.

Ela, irritada com alguma atitude dele, jogou na cara do esposo (pela décima vez ou talvez mais) que ele só havia se casado porque ela tinha dinheiro.

Ao que ele, em cima da bucha, refutou:

– Não foi porque tu tinha dinheiro que eu me casei, pequena!

– Foi por que, então?

– Foi porque eu não tinha dinheiro!  


 

 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

SHOW DO MILHÃO DE ZÉ DOCA

 

Dino de Alcântara

 Teatrinho a Vapor

 


PROFESSOR JONAS – Professor de Língua Portuguesa da rede pública de Zé Doca.

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO – Apresentador da Gincana Show do Milhão de Zé Doca.

ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL – Participantes da Gincana Show do Milhão de Zé Doca. São ao todo três.

ALUNOS DO TERCEIRO ANO – Representam os universitários da Gincana Show do Milhão de Zé Doca. São ao todo três.

 

PRÓLOGO: Criada por lei municipal, a Gincana Show do Milhão de Zé Doca reúne alunos da rede pública municipal da cidade. O professor Jonas e duas professoras foram escolhidos para compor o banco de perguntas. Foram orientados pelo secretário a usar cultura, literatura, etc., mas numa linguagem popular, para facilitar a compreensão dos alunos. Ao final, quem ganhasse mais, receberia cada aluno um notebook e a escola, equipamentos esportivos.

 

Cenário: Quadra Poliesportiva do Ginásio Zé Sarney.


A cena se passa no Século XXI.

 

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO (Com um microfone, parecendo o Silvio Santos.) – Pergunta... valendo 100 reais:

Segundo Bentinho, do romance Dom Casmurro, quem era uma mulher chifreira?

a) Helena

b) Virgília

c) Capitu

d) Sofia

(Muitos risos da plateia, inclusive do prefeito, que assiste à Gincana. Ao lado do chefe do executivo, a primeira dama, de nome Sofia, com o rosto enrubescido.)

ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL (Depois de consultarem uns aos outros.) – Nós vamos perguntar aos universitários.

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO – Bom, senhores André, Thalys e Bigu, vocês sabem a resposta?

ALUNOS DO TERCEIRO ANO (Após confidenciarem uns segundos.) – Estamos na dúvida! Pode ser Sofia...

(Os Risos ecoam até na plateia, chamando a atenção até de um carroceiro, há quase quinhentos metros do ginásio.)


 

 

QUALIFICAÇÃO PÓS-MODERNA

              Dino de Alcântara                                                    Micro CONTO (ou será miniconto?) Há tempos o gerente da...