segunda-feira, 20 de maio de 2024

VERMES HUMANOS

 Dino de Alcântara

 

Maricélia, depois que aceitou, nas palavras dela, Jesus como seu único e verdadeiro senhor, mudou completamente algumas atitudes e, claro, alguns discursos. Passou a ler menos obras linguísticas e mais textos da Bíblia. Viu menos televisão e assistiu mais a vídeos sobre a fé. E assim foi construindo a sua nova vida.

Um dia ouviu, num grupo de WhatsApp dos professores, um colega falando sobre o que seria pecado: se o que se come ou o que se fala... O docente criticava a ideia de que comer carne na Semana Santa ou peixe de couro seja pecado... E disse ainda: “O pior é que o dizemos...”

Ela, não acreditando, buscou a palavra verdadeira: a Bíblia. Foi até a Carta de Paulo aos Romanos, capítulo 14: 

14 1 Aceitem entre vocês aquela pessoa que é fraca na fé, mas não com a intenção de discutir sobre as diferentes opiniões dela. 2 Uma pessoa acredita que pode comer todo tipo de comida, mas outra pessoa, cuja fé é fraca, acredita que só pode comer legumes. 3 Aquele que come todo o tipo de comida não deve se sentir superior ao que come somente legumes. E aquele que come somente legumes não deve condenar ao que come todo o tipo de comida, pois Deus o aceitou.

Avançou um pouco e leu o versículo 17:

O Reino de Deus não é questão de comida ou bebida; é justiça, paz e alegria no Espírito Santo.

Depois, passou a buscar os ensinamentos de Jesus. Procurou horas e horas nos Evangelhos, até que encontrou estes dois versículos de Mateus, capítulo 15:

10 Jesus chamou para junto de si a multidão e disse: "Ouçam e entendam. 11 O que entra pela boca não torna o homem ‘impuro’; mas o que sai de sua boca, isto o torna ‘impuro’".

Maricélia ficou perplexa... Como aquele sujeitinho, que era metido a comunista, sabia de tudo isso? Por acaso, lia a Bíblia?

Sete dias depois, na casa da irmã, onde precisou almoçar, por conta de uma reunião da faculdade, recusou prontamente o prato principal: gurijuba ao mocho de camarão. Justificativa: não comia peixe de couro. A empregada precisou fritar rapidamente um peito de frango.

À noite do mesmo dia, já deitada no sofá de sua casa, passou a vista nas mensagens da família. Um vídeo lhe chamou a atenção: mostrava como muita gente estava invadindo as casas alagadas no Rio Grande do Sul para furtar o pouco que não havia sido destruído pelas águas. De pronto, não resistiu. Respondeu logo, dizendo que eram os filhos de Lula, petistas, que estavam roubando tudo por lá. E ainda botou a figurinha do Lula:

Ninguém no grupo quis responder, porque já a conheciam muito bem e sabiam que o melhor a fazer era o silêncio.

Na madrugada da mesma noite, teve um pesadelo. Saíam de sua boca um monte de vermes – de todos os tipos... Acordou atordoada. Tomou água, foi ao banheiro, voltou a dormir.

No dia seguinte, na faculdade, antes de começar sua aula, ouviu de uma aluna uma justificativa por não ter vindo fazer as provas: havia sido assaltada. Estava sem o cartão de transporte. A docente, sem temer dizer um desatino, soltou uma frase quase que instantânea: Faz o ELE! E riu à solta.    

 

segunda-feira, 13 de maio de 2024

AMOR PLATÔNICO

 

 Dino de Alcântara

Teatrinho a Vapor

 

Zé Caranguejo com Curau (à esquerda) e Zé Baiacu (de camisa branca) tomando uns grodes.


ZÉ CARANGUEJO – Estivador do Cais da Sagração, homem forte, solteiro, mesmo já tendo seus 40 anos bem vividos, no porto, nos barcos, nas alvarengas, nos botequins do Desterro e da Madre Deus, na zona, etc. 

ZÉ BAIACU – Pequeno comerciante da Madre Deus, que adorava uma conversa com os fregueses.

CURAU – Estivador, como Zé Caranguejo, bebedor de cachaça, vinho, jurubeba e mais o que aparecesse.

 Cenário: Quitanda de Zé Baiacu na Madre Deus.

A cena passa-se em 1968.

 

ZÉ CARANGUEJO (Levando o copo de jurubeba com gosto à boca.) – Uma hora dessa, em vez de estar aqui com esse chifrudo (aponta para Curau.), era para estar com minha morena.

CURAU (Curioso.) – Que morena, doido?

ZÉ CARANGUEJO – Então não conhece a Helena, filha do Coronel Vieira?

ZÉ BAIACU – Helena? Que história é essa, Zé Caranguejo?

ZÉ CARANGUEJO – Sim, pois digo... Era pra me casar com ela, se a família toda não tivesse sido contra?

CURAU – Pera aí... Tu ia casar com ela, com aquela belezura?

ZÉ CARANGUEJO – Tô te falando.

ZÉ BAIACU – Essa é boa! Nunca soube disso.

ZÉ CARANGUEJO – É porque eu não gosto de contar.

ZÉ BAIACU – Mas me diz uma coisa...

ZÉ CARANGUEJO – Até duas...

ZÉ BAIACU – E ela? O que disse?

ZÉ CARANGUEJO – Ela? Ela sempre foi contra.

ZÉ BAIACU – Contra o quê?

ZÉ CARANGUEJO – Contra o nosso casamento.

ZÉ BAIACU – Mas tu não disse que a família toda é que era contra?

ZÉ CARANGUEJO – Eu disse que a família toda era contra, e ela também, pois não é da família, seus leprosos?...

 

 

 


QUALIFICAÇÃO PÓS-MODERNA

              Dino de Alcântara                                                    Micro CONTO (ou será miniconto?) Há tempos o gerente da...