Dino de Alcântara
MINICONTO (uM POUCO À DIREITA)
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(Paulo à esquerda e Rodney à direita - Imagem gerada com auxílio de IA) |
Por uma dessas fatalidades que parecem descer do além, Paulo e Rodney nasceram no mesmo ano no bairro do Anjo da Guarda. Um sempre foi filho dedicado aos pais, honesto e trabalhador. O outro, Rodney, foi sempre o contrário. Não respeitava ninguém, nem o pai nem a mãe, que dirá os outros. O pai acabou indo para São Paulo, de lá não voltou mais. A mãe criou a peste sozinha, aos trancos e barrancos.
Enquanto Paulo se dedicou ao trabalho bem cedo, aos 13 anos, fazendo serviços de ajudante de pedreiro, o outro se deu a fazer pequenos furtos.
Os dois tentaram a escola, mas Paulo ainda conseguiu ficar até a oitava série, enquanto Rodney nem isso. Saiu para nunca mais voltar, quando conseguiu assinar o nome num papel.
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(Paulo e Rodney já crescidos no Anjo da Guarda - Imagem gerada com auxílio de IA) |
Adultos, eram dois seres completamente diferentes. Um era muito respeitado pelo profissionalismo com que exercia suas tarefas de pedreiro e carpinteiro. Fazia telhados, colocava lajotas, etc. O outro não fazia nada, nem em casa. Apenas vivia de furtos e roubos. A mãe ralhava, ameaçava bater, mas não o fazia, porque, no fundo, tinha medo dele.
No último dia 7, os dois sofreram um acidente no mesmo horário. Paulo, no telhado da casa de seu Marcos, caiu, quando um dos caibros não resistiu. Fraturou várias costelas, além de quebrar um braço. Teve hemorragia por conta de um corte feio na perna.
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(Paulo e Rodney em seus destinos. - imagem gerada com auxílio de IA) |
Rodney, roubando uma moto no centro de São Luís, saiu em disparada para o Anjo da Guarda, mas acabou batendo num caminhão. Resultado: quebrou várias costelas e um braço também. Teve hemorragia por conta de um corte feio na perna.
A ambulância conseguiu chegar bem rápido e socorrer Rodney, mas demorou quase quarenta minutos para acudir Paulo.
Os dois foram levados para o Socorrão II, por conta das fraturas. Um deles, o Rodney foi operado na mesma hora. Paulo, ainda está aguardando um leito. Por enquanto, está numa maca no corredor.
Os dois precisaram de sangue, por conta do corte profundo na perna. O sangue chegou rapidinho às veias de Rodney, mas para chegar ao corpo de Paulo precisou de uma batalha: encontrar doadores, coisa e tal.
De alta, Rodney correu atrás do Seguro DPVAT, porque, segundo um advogado, ele tinha direito.
Ainda no hospital, Paulo, coitado, curte a sua dor de sua miséria. A mãe conseguiu vender a televisão, comprada com tanto sacrifício, para poder pagar as contas. Seguro DPVAT? Não. Ele não tem direito. E como não pagava o INSS, só vai poder receber, quando começar novamente a trabalhar, o que ninguém sabe direito!
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(Rodney sai do hospital com o bolso cheio; Paulo permanece no leito- imagem gerada com auxílio de IA) |
Que conto excecional, imagem que teríamos mais um teatrinho a vapor. Me surpreendi com essa faceta do autor, a forma como a narrativa entrelaça os destinos de Paulo e Rodney, dois homens nascidos no mesmo lugar e no mesmo tempo, mas que trilharam caminhos tão distintos, a forma como é apresentado é poderoso. Mais do que uma comparação de escolhas individuais, esse conto nos revela como o sistema penaliza os mais corretos e invisibiliza o esforço diário dos trabalhadores.
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